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Quanto custa fazer reportagem?

Fazer reportagem vai muito além de simplesmente apurar, escrever e publicar um texto ou um vídeo sobre um fato. Envolve muitas vezes criar um projeto, reunir uma equipe, obter financiamento e administrar a obra. E por trás de toda obra original existe uma cadeia de custos, a qual pode envolver o pagamento de salários, aluguel de equipamentos e despesas com transporte, por exemplo. Por menor que seja o projeto, não existe reportagem grátis.

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Neste artigo, vamos juntos dar uma espiada nos custos da produção jornalística. Mais do que isso, vamos conhecer alguns projetos e o quanto seus produtores gastaram neles. Mas antes precisamos definir o que é reportagem pois, afinal de contas, temos estudantes navegando com seus barquinhos neste website e lendo esse artigo, e nem todos eles sabem a definição.

O que é reportagem?

Para dizer a verdade, nem estudantes e nem muitos jornalistas experientes sabem definir exatamente o que é reportagem. Talvez eu também não saiba. O fato mesmo é que todos nós podemos concordar que sabemos o básico, isto é, que ela é um dos gêneros jornalísticos ao lado da nota, da notícia e da crônica, entre outros.

Uma nota jornalística é o átomo, talvez o núcleo de uma reportagem. Ela contém as respostas para o lide, que são aquelas seis perguntas que todo jornalista tem na ponta da língua: “o quê?”, “quem?”, “onde?”, “como?”, “quando?” e “por quê?”. Já a notícia é uma nota ampliada, pois além do lide ela tem uma ou mais camadas a mais de informações, que são os depoimentos de determinadas fontes.

A reportagem, por sua vez, é algo ainda maior. Ela tem ainda mais camadas de informações que uma notícia. Além do lide e dos depoimentos, ela pode contar com dados estatísticos, evidências, provas materiais, contextualização política, apresentação de documentos, contextualização histórica e geográfica, contrapontos ou diversidade de vozes, contextualização social e econômica, análises de especialistas, e até contextualização psicológica das fontes, entre outros recursos.

Na publicação, a reportagem pode veicular com elementos como fotografias, vídeos, mapas interativos, linhas do tempo, áudios, ilustrações, ícones, animações e web stories. Também pode ter paráfrases, citações e fechamentos reflexivos. Quando reportagem literária, pode ser publicada com diálogos, flashbacks, descrições, fluxos de pensamento e outros recursos da literatura.

Uma reportagem é, portanto, um produto jornalístico elaborado com base em fontes, documentos, pesquisas e observações dos jornalistas envolvidos em sua produção; que pode ser produzida em formato de texto, áudio ou audiovisual, ou multimídia, com ou sem artes gráficas; que contém múltiplas camadas de conhecimentos, vivências e saberes; e que tem como objetivo conscientizar as pessoas sobre um determinado acontecimento ou fato. Como resultado, uma reportagem muitas vezes consegue mudar opiniões e moldar a sociedade.

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E se você pensa que acaba aqui, não acaba. Porque tem também a grande reportagem, que é uma reportagem com ainda mais camadas, mais conhecimento, mais contextualizações; que tem base ainda mais sólida fruto de fontes, documentação, observação e pesquisa amplas; e que, portanto, requer mais recursos para apuração e produção sendo, por isso, muito mais custosa de se fazer.

Quatro jornalistas investigativos em pé em um corredor de redação, com crachás de imprensa, equipamentos e expressões sérias, simbolizando determinação e trabalho em equipe na busca pela verdade. Essa foto meramente ilustrativa remete à ação de fazer reportagem.
Fazer reportagem é transformar fatos em consciência coletiva. Imagem meramente ilustrativa: @copilot

Relação entre tamanho, formato e custo

Existem relações diretas entre o tamanho, o formato, o tempo e o custo para fazer reportagem. De fato, quanto maior, mais durável e mais complexo for o projeto jornalístico, maior tende a ser o investimento necessário para produzi-lo e mantê-lo. Podemos dizer que este é um dos motivos pelos quais os produtores de reportagens ficam tão bravos com os assaltantes de conteúdo que atuam na internet, que apenas têm o trabalho de replicar a obra original usando outras palavras.

Notícias e reportagens curtas, que requerem apenas dois ou três telefonemas para colher depoimentos das fontes, além de uma pesquisa simples para obter dados para contextualizações, e que desse modo podem ser produzidas em um dia ou até menos, resultam em custos mais baixos.

Reportagens maiores, no entanto, que requerem mais que um dia de trabalho, podem aumentar consideravelmente os custos de produção, pois podem precisar da contribuição de mais jornalistas, fotógrafos, editores, equipamentos, hospedagem, transporte, etc. Uma simples saída da redação é um gasto a mais que deve ser colocado na planilha, aumentando o custo do projeto.

O formato da reportagem também conta. Uma reportagem de vídeo ou de áudio pode gerar custos adicionais, pois estas podem requerer aluguel, compra e/ou manutenção de equipamentos caros de gravação e pós-produção. E se a reportagem for multimídia, os custos podem ser ainda mais altos.

Seja como for, para calcular o valor final de uma reportagem antes de iniciar a sua produção, é necessário colocar na ponta do lápis os custos de identificação da pauta, equipe, deslocamento, hospedagem, alimentação, tecnologias, licenças, publicação e divulgação. Não se esquecendo, é claro, que é preciso reservar também algum recurso financeiro para contingências como problemas técnicos, cancelamentos, seguros, etc.

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Categorias de custos para produção de reportagens

Fazer reportagem não é simples, na maioria das vezes. Envolve etapas que demandam recursos humanos, tecnológicos, técnicos e logísticos, entre outros. E cada etapa representa uma categoria de custo, que precisa entrar no planejamento do projeto:

1. Pré-produção

A ação começa aqui. Sabe quando você tira um guardanapo e vem outro e outro e outro? É mais ou menos assim no jornalismo. O jornalista percebe algo errado em algum lugar e começa a investigar, e de repente aparece outra e outra e outra coisa errada. Ele mostra alguns dados a respeito disso para o editor, que dá sinal verde para a apuração da pauta.

Começa o planejamento, pesquisa, levantamento de fontes, contatos prévios, licenciamento de dados, acesso ao local dos acontecimentos, etc. Tudo isso tem um custo que pode estar ligado principalmente à logística, comunicação e aquisição de dados.

2. Produção

A etapa de produção começa quando o jornalista reúne as informações que apurou e inicia a criação do texto da reportagem. Pode ser necessário transcrever áudios, criar ilustrações, produzir infográficos, anexar documentos, fazer novas entrevistas, colher novas provas, etc.

É também durante a produção que são feitas as edições de áudio e vídeo, e as edições de texto e fotos. Em uma equipe, várias mãos e cérebros podem ter acesso ao texto e demais conteúdos e editá-lo. Nesta etapa são realizadas, ainda, traduções, revisões, checagens, a diagramação e fechamento do arquivo.

3. Distribuição

Com a reportagem pronta, chegou a hora de publicar e distribuir. Dependendo da plataforma, haverá custo para impressão ou hospedagem, ou ambos. Outras despesas possíveis envolvem armazenamento e transporte do produto (revista, jornal, livro, etc.).

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Se veiculada na internet ou em formatos físicos, ou em ambos, pode haver despesas com impulsionamento nas redes sociais, envio de newsletters, propagandas em cartazes e painéis, entre outros tipos de marketing.

Quais os principais gastos para fazer reportagem?

Entre as despesas para fazer reportagem estão as que envolvem:

Equipe

Você conhece o Humberto Gessinger? Ele foi, por muitos anos, vocalista da banda Engenheiros do Hawaii. Outro dia, no Youtube, assisti a alguns vídeos dele no qual ele cantava, tocava baixo, guitarra, violão, bateria e gaita ao mesmo tempo. Incrível. Tem muito jornalista que também tem esse dom de, sozinho, fazer a banda acontecer.

Todavia, nos médios e grandes veículos de imprensa, a banda toca de outro jeito. Na hora de fazer reportagem e, principalmente, grande reportagem, esses veículos alocam ou criam uma equipe com editores, jornalistas e fotógrafos. Dependendo do formato da reportagem, essa equipe pode contar com cinegrafistas, designers gráficos, ilustradores, narradores, tradutores e até desenvolvedores de web.

O time pode aumentar consideravelmente se forem incluídos profissionais que participam do projeto indiretamente como os motoristas, assistentes de campo, estagiários, etc. Todo mundo nessa lista precisa ser remunerado.

Transporte

Saídas para apuração da reportagem podem requerer passagens aéreas ou rodoviárias. Entra também neste tipo de despesa o transporte local com táxi ou motorista de aplicativo, aluguel de automóvel ou automóvel próprio. E mais, podem haver custos com combustível, transporte público e seguro de viagem.

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Hospedagem

Quando a apuração precisa ser feita em outra cidade, estado ou país, ou qualquer outro lugar com distância considerável, os jornalistas e demais profissionais da equipe precisam se hospedar em hotéis, pousadas ou residências alugadas.

Alimentação

Despesas com as refeições principais diárias, além de água e lanches. Multiplique essas despesas por vários dias, conforme a demanda para apuração da história. Lembrando que a alimentação pode ser mais barata ou cara, dependendo do lugar.

Equipamentos

Para apurar ou fazer reportagem, a equipe poderá precisar de microfones, câmeras, gravadores, laptops. Isso pode ser comprado ou alugado. Em ambos os casos pode ser necessário manutenção. Além disso, esses equipamentos podem consumir energia elétrica, pilhas e baterias.

Softwares

O texto, áudio, vídeo e fotos brutos ainda não são uma reportagem. Para isso acontecer, a equipe vai precisar de softwares de edição. Hoje em dia, esses softwares são comercializados online por meio de assinaturas, que podem ser pagas mensalmente ou anualmente.

Além dos programas de edição, é muito provável que os jornalistas tenham que guardar os documentos obtidos na apuração em algum banco de dados. Por isso, talvez seja necessário assinar também um serviço de armazenamento em nuvem.

Outros softwares necessário são os que fornecem serviços de tradução simultânea, escaneamento de documentos, armazenamento de fotografias e vídeos, gerenciadores de conteúdo e sistemas de publicação online, etc.

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Comunicação

Os editores, jornalistas, cinegrafistas e fotógrafos, entre outros profissionais que façam parte da equipe de reportagem, precisam se comunicar por telefone e internet. Por isso, os planos de telefonia, dados móveis e WI-FI são inevitáveis.

Licenças

Além das licenças para uso de softwares já mencionadas, o licenciamento de conteúdo para uso de imagens, vídeos e músicas de terceiros pode ser necessário ao fazer reportagem. Direitos de imagem e voz, credenciamentos para eventos e autorizações de acesso também.

Outras

Algumas despesas não estão diretamente ligadas à apuração, produção ou distribuição da reportagem. São os gastos com energia elétrica e água, por exemplo.

Além disso, fazer reportagem que expõe falcatruas pode gerar retaliações por parte dos denunciados. Por isso, jornalistas dessa ala podem precisar de um advogado ou vários deles, seja para consultoria ou defesa. E dado que os jornalistas muitas vezes são alvo de todo tipo de gente inescrupulosa, o seguro de vida pode ser importante.

Receber ameaças e ter que ficar constantemente em alerta é um risco para a saúde dos jornalistas. O estresse aumenta as chances de agravamento de todo tipo de doença. Isso pode gerar despesas com medicina e medicamentos.

Enfim, depois de tudo isso que acabei de escrever, se você ainda não desistiu de fazer reportagem é porque você realmente nasceu para ser jornalista. Parabéns, você tem o dom. Tem vocação. Você é meu herói da comunicação social.

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O preço para fazer reportagem: exemplos reais

Produzir reportagem capaz de provocar impacto social relevante não é apenas uma questão de talento do jornalista. Mais do que isso, é uma questão de investimento financeiro.

Movidos à satisfação

É bem verdade, há investimentos de todos os tipos nessa área. A escala vai desde nenhum investimento até aqueles que chegam na casa dos milhões.

Jornalistas da periferia, por exemplo, muitas vezes recebem como pagamento apenas a satisfação de publicar uma matéria que valha a pena ser lida, assistida ou ouvida.

Não há meios adequados para produção, divulgação e distribuição. Nestes casos, o impacto das reportagens faz um furo no bolso do repórter, mas geralmente não ultrapassa os limites do distrito ou da cidade.

Dinheiro curto para pequenos projetos

Os próximos na escala do investimento são os bolsistas. Algumas instituições pagam valores específicos para que os jornalistas produzam reportagens sobre assuntos que elas determinam.

Por exemplo, em 2025 a Petrobras lançou o projeto Seleção Petrobras Jornalismo, que concedeu 15 bolsas no valor de R$20 mil cada para a produção de reportagens nos formatos de áudio, vídeo e texto sobre ciência e diversidade.

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No mesmo ano, a Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) publicou o 7º Edital de Jornalismo de Educação, que ofereceu 8 bolsas de R$10 mil cada para reportagens sobre educação pública brasileira.

Instituições internacionais pagam em dólar e, por isso, o valor é geralmente maior do que o ofertado no Brasil. É o caso da McGraw Fellowship for Business Journalism, que está pagando US$ 15 mil por reportagens investigativas com foco em economia, negócios e finanças.

Peixe grande

Alguns jornalistas têm um orçamento gigantesco para fazer reportagem. É o caso, por exemplo, da doutora Sheri Fink, que em 2009 publicou, no site da ProPublica e na revista New York Times, “The Deadly Choices at Memorial“, uma grande reportagem sobre decisões de vida e morte tomadas por médicos em um hospital isolado pelas enchentes do furacão Katrina. De acordo com nota da Folha de S.Paulo, o custo dessa matéria foi estimado em US$ 400 mil. Na cotação atual, isso equivale a cerca de R$ 2,3 milhões.

A reportagem de Sheri Fink revelou que ao menos 17 pacientes foram injetados com morfina ou midazolam em doses elevadas e foram a óbito. Isso gerou comoção e discussão pública sobre ética médica, debate sobre eutanásia e críticas aos procedimentos de triagem. Uma médica e duas enfermeiras foram presas, mas não houve condenação, sendo elas liberadas posteriormente. Pela reportagem, Sheri Fink recebeu o Prêmio Pulitzer de 2010.

Também nos Estados Unidos, os jornalistas Eli Murray, Rebecca Woolington e Corey G. Johnson iniciaram uma investigação sobre envenenamento de pessoas por chumbo na água no condado de Hillsborough, na Flórida, em 2019.

Ao longo dos 18 meses seguintes, eles investigaram uma fábrica de reciclagem de baterias, a Gopher Resource, em East Tampa, que era a única com fundição de chumbo na região.

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Ao cruzarem dados de 2014 a 2018, eles descobriram que 8 em cada 10 trabalhadores do período tinham níveis de chumbo muito altos no organismo. Além disso, encontraram irregularidades na fábrica e deixaram claro que os diretores tinham conhecimento disso.

A investigação gerou a reportagem Poisoned, publicada pelo Tampa Bay Times em 2021, na internet, ao custo de US$ 500 mil. Com este projeto, eles ganharam o Prêmio Pulitzer de jornalismo investigativo em 2022.

Mais recentemente, no Brasil, o Instituto Conhecimento Liberta (ICL) produziu o documentário “Vai pra Argentina, c4r4j0!‘, sobre a administração polêmica do presidente Javier Milei e manipulação da mídia. De acordo com o economista, escritor, empresário e apresentador brasileiro Eduardo Álvares Moreira, que narra a vídeo reportagem, foram gastos cerca de R$ 1 milhão neste projeto.

Em qualquer dos casos, enfim, seja com o troco do pão, uma bolsa humilde ou um orçamento milionário, fazer reportagem é um ato de coragem. Não é para qualquer um. Para fazer coisas assim, você precisa ter nascido para ser jornalista.

Marinaldo Gomes Pedrosa

Marinaldo Gomes Pedrosa

Marinaldo Gomes Pedrosa é bacharel em Comunicação Social com ênfase em Jornalismo pela UniSant'Anna. É registrado como Jornalista pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego sob o MTB número 0074698/SP desde 27 de setembro de 2013. Ele também é editor na Magpe Books.

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